ヨーロッパへの窓

★★★★★★

Windows to Europe

ポルトガル ポルトガル

エイリアン、エレベーターでピンチ

Um alien entalado no elevador

リカルド・アドルフォ

Ricardo Adolfo
リカルド・アドルフォ

リカルド・アドルフォ
Ricardo Adolfo

Ricardo ADOLFO
Ricardo Adolfo, born in 1974, is an Angolan-born Portuguese writer currently based in Tokyo. In 2003, Adolfo published All Chorizos are to be Roasted, a compilation of short stories and in 2006 his debut novel Mizé, which was very well received in Portugal and has been translated into Spanish, German and Dutch. Shot Gun Mary (2014), the fourth book penned by Adolfo, received unanimous reviews and won him the nomination of Face of the Future of Portuguese Literature by internationally acclaimed author and award winner of Jerusalem Prize, António Lobo Antunes for Visão Magazine’s 20 years special edition. The short story is from Tokyo Lives Far From Earth (2015), which explores the daily peculiarities and the banal eccentricities of a foreigner salary man in Japan. Other short stories of the book were translated to Japanese and included in the Anthology of Portuguese Contemporary Literature, published by Gendai Kikakushitsu in 2019. The translation of his third book, After I Died Lots of Thins Happened to Me, is to be pulished in 2023, by the publisher Shoshikankanbo.

Um alien entalado no elevador

Ricardo Adolfo

Quando estiquei a mão para carregar no botão do trigésimo quarto andar, já fui tarde demais. O cardume de homens de salário colou-me à parede e ali fiquei, a segurar a mala, sem deixar a barriga expirar para não tocar nas costas do ilhéu à minha frente. O cardume continuou a desaguar dentro do elevador como se este não fosse finito, cada milímetro cúbico foi preenchido por um corpo e, nalguns casos, por mais do que um. Se me desse uma cócega na ponta do nariz, teria de sofrer até ao destino ou aliviar-me no ombro do homem de salário mais colado a mim.

O elevador descolou até à primeira paragem, no vigésimo andar. Pedi licença para chegar até ao botão, o que me foi negado. O meu pedido a medo não foi registado pelos nativos, talvez por não o ter feito em voz alta.  Depois de conseguir o cartão de alien e de ter assinado um contrato como professor de inglês numa empresa perto de Shibuya que ainda hoje não sei o que produz, todas as minhas acções tinham como objectivo manter a ordem da alienação em que vivia de modo que os nativos não decidissem embirrar e pedir-me o cartão de volta. Ainda não dominava a operação de entrada e saída do elevador. Primeiro, havia que deixar sair. De seguida, perceber o momento em que a fila para porta desfazia, o ponto em que o caos se instalava e tudo valia, mas de forma ordeira e nunca desrespeitando a cadeia alimentar liderada pelos homens, seguidos dos homens mais velhos, crianças que um dia iriam ser homens, senhoras mais velhas, crianças que nunca iriam ser homens e, por último, as mulheres.

A experiência elevatória era igual à do comboio, metro e qualquer transporte ou evento público que envolvesse uma desproporcional e, por vezes, irracional presença de humanos. Por mais que nos apertássemos, não podíamos negar a evidência de que éramos muitos mais do que devíamos, um facto que não facilitava a existência de aliens como eu nesta ilha. O metro quadrado que ocupava poderia ser útil a qualquer outro ser com muito melhores maneiras. Para os ilhéus, os aliens eram apenas uns bárbaros que, se não fosse o facto de conseguirem comunicar em mais do que uma língua e de conseguirem executar meia dúzia de tarefas que eles não conseguiam nem queriam fazer, seriam todos convidados a voltar para a caverna de onde tinham emigrado.

O elevador continuou em voo contrapicado até ao quadragésimo andar e vi a minha paragem cada vez mais distante. Nos patamares escolhidos por aqueles que tinham sido bem- sucedidos em chegar ao botão, a linha de corpos de frente saía para deixar passar quem ali ganhava os dias. Era um Tetris dançado ao milímetro para não perturbar a harmonia do grupo.

No quadragésimo oitavo andar, o último grupo de nativos abandonou o elevador e relaxei a barriga, ao mesmo tempo que aliviei a cócega na ponta do nariz. Fatal. Baixei a guarda e logo outro cardume de homens de salário invadiu o espaço disponível. Iam para o primeiro andar. Era uma turma de finalistas na ronda das entrevistas de emprego em grupo. Ainda não eram verdadeiros homens de salário, mas queriam muito sê-lo. Os fatos mal cortados já tinham. Tentei contrariar o movimento e cheguei-me ao painel dos botões. Fiquei a braço e meio do meu objectivo. Achei que era o elevador a tentar dizer-me que gostava muito da minha presença. O elevador deixou-se cair e, no segundo em que ousei tentar carregar no botão do trigésimo quarto, o homem de salário em potência que estava de frente para o painel deixou cair a testa na placa dos botões e assim seguiu viagem, em sono profundo. Já tinha visto ilhéus dormir em locais menos óbvios, como o coitado adormecido no chão da cabine do multibanco com o cartão na mão, mas de pé no elevador era a primeira.

Assim que o cardume desaguou para fora do elevador, cheguei-me ao painel e carreguei no trigésimo quarto. Orgulhoso com o feito, mantive o botão de abertura das portas pressionado. Era a desculpa perfeita para me deixar ficar num lugar privilegiado de saída rápida. Ao contrário do que esperava, próximo cardume não entrou. Esperei mais um segundo, nem uma faneca. Assumi que era o espírito do elevador compensar-me pelo incómodo e deixei que o corpo descansasse na parede lateral enquanto iniciava a viagem.

Sem aviso à navegação, o elevador estancou no voo contrapicado e o meu corpo foi projectado contra a parede dos fundos.  A campainha de emergência fez-se ouvir e, nessa angústia, lembrei-me do email que anunciava o exercício trimestral de prevenção de terramotos. Escorri parede abaixo e rezei para que os bombeiros fossem avisados de que estava um alien entalado no elevador.

In., “Tóquio Vive Longe da Terra” (2015, Companhia de Letras)”

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